América Latina: A hora de uma economia climática



A América Latina enfrenta seus problemas de desenvolvimento, mudança climática e energia a partir de uma posição de dependência. Prevalece na região a idéia de que, para empreender ações que conduzam a um caminho de desenvolvimento com baixas emissões de carbono e de adaptação à mudança climática, é imprescindível que antes sejam desenvolvidos mecanismos de financiamento norte-sul que assegurem os recursos necessários para as transformações produtivas, tecnológicas e políticas, entre outras. Ou seja, que instrumentos como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o Fundo de Adaptação, a Transferência Tecnológica, etc, se fortaleçam e amadureçam. No entanto, até agora, esses instrumentos não demonstraram capacidade de financiar ou alavancar suficientemente os investimentos necessários e, a esta altura, pode-se supor que é muito difícil que o façam algum dia.


Até 2030, o mundo estará marcado por uma economia mundial com petróleo escasso, com restrições às emissões de gases de efeito estufa e com enormes demandas por investimentos para fazer frente aos impactos das mudanças climáticas. Enquanto os governos da região esperam a chegada dos grandes fluxos financeiros dos países desenvolvidos, o tempo para tomar decisões vai passando e os problemas se mostram cada vez mais próximos. A demanda internacional por uma compensação pelos danos derivados do aquecimento global não deveria ser obstáculo para que a região empreendesse, de uma vez e com recursos próprios, a tarefa de traçar a nova trilha do desenvolvimento sustentável em um contexto de mudança climática.


Os países latino-americanos necessitam de uma economia nacional orientada pela estratégia de reduzir as emissões e o consumo de combustíveis fósseis, preparando-se para os efeitos das alterações do clima nos setores produtivos do território. A essa economia dou o nome de Economia Climática.


Desenvolvidos x Em Desenvolvimento


A urgência de certas medidas e a exigência de um desenvolvimento mais eqüitativo e sustentável deveria ser motivo suficiente para empreender, o quanto antes, ações em busca de uma Economia Climática. Obviamente os países industrializados têm a obrigação, moral e jurídica, de transferir recursos, conhecimentos e tecnologia. São os maiores responsáveis pela mudança climática, têm disponibilidade de recursos e níveis de consumo e riqueza que deixam pouca margem para discussão. Diante disso, é claro que a América Latina – e os demais países de menor desenvolvimento – devem manter suas legítimas reivindicações. Porém, enquanto os governos latino-americanos esperam os resultados das negociações no âmbito da Convenção de Mudança Climática, não aproveitam oportunidades atuais de iniciar um caminho auto-sustentável de desenvolvimento limpo e melhores perspectivas para o futuro.


O aumento do uso de fontes renováveis, a eficiência energética e a introdução de tecnologias para um melhor aproveitamento dos recursos hídricos não são novidades surgidas com a mudança climática. São temas antigos na agenda latino-americana. A novidade é que o fenômeno do aquecimento global colocou tais questões em primeiro lugar na agenda internacional, o que facilita o acesso a essas tecnologias. O que se segue neste artigo é uma reflexão acerca das vantagens econômicas, sociais e ambientais que os países latino-americanos poderiam obter caso tomassem decisões precoces ante ao previsível cenário que se avizinha.


Benefícios da estratégia de mitigação A América Latina não tem uma contribuição pequena nos cenários das mudanças climáticas, se formos considerar suas emissões per capita ou por unidade de PIB. Com 8,5% da população e do PIB global, a região é responsável por 12% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) mundiais. Portanto, ainda que sua responsabilidade sobre o aquecimento do planeta seja menor – já que este é resultado da acumulação de gases produzidos sobretudo nos países desenvolvidos ao longo de várias décadas – o continente tem extrema importância em relação ao futuro da alteração do clima.


Até 2050, mesmo supondo que as nações industrializadas reduzissem suas emissões a zero, os países em vias de desenvolvimento deveriam reduzir em 28% suas emissões em relação ao ano 2000. Isto já seria uma razão poderosa para fazer o esforço de reduzir as emissões de GEE. Entretanto, mesmo que aceitássemos a tese de que a responsabilidade maior é dos países desenvolvidos e, por conseqüência, também o esforço maior inicial deveria ser feito por eles, há várias razões importantes para que a América Latina encare uma Economia Climática. Isso em função dos benefícios econômicos, sociais e ambientais que uma estratégia deste tipo traria para os países da região. Há uma série de medidas de mitigação que a maioria dos organismos internacionais públicos e privados recomendam. Tais medidas fazem parte das necessidades históricas dos países latino-americanos e atualmente têm muito mais possibilidades de serem satisfeitas do que no passado. Hoje elas estão sendo impulsionadas, sobretudo, por razões vinculadas à mudança climática, mas as nações da região deveriam aproveitar estas novas facilidades especialmente em função dos benefícios adicionais delas decorrentes.


Alguns exemplos:



  1. Melhorias no sistema de transporte públicoO transporte público é deficitário na maioria das cidades latino-americanas. Isso tem uma incidência decisiva na preferência dos usuários pelo transporte individual (automóveis e motocicletas), na medida que suas possibilidades econômicas permitem. O resultado é um sistema de transporte que em seu conjunto resulta ineficiente, com altas taxas de emissão de gases que contaminam o ar urbano, com alto consumo de petróleo, com congestionamentos (com perda de horas de trabalho), etc. Investir em políticas e sistemas de transporte público mais eficientes e eficazes resulta em uma economia de divisas (no caso dos países importadores de petróleo ou derivados), uma redução da poluição local, descongestionamento do tráfego e – sobretudo – um melhor sistema de transporte para os cidadãos de baixa renda, que nunca poderiam ter acesso a um transporte individual próprio.

  2. Melhorias em eficiência energética no consumo residencialMedidas como a substituição de lâmpadas incandescentes por lâmpadas de baixo consumo, etiquetagem de eletrodomésticos e sistemas de certificação de eficiência térmica das edificações são algumas das recomendações para reduzir as emissões de GEE derivadas do consumo de energia em nível residencial. Esse tipo de medida tem implicações econômicas positivas para o país como um todo (redução de investimentos em infra-estrutura e abastecimento energético, economia de divisas por importação de energia, etc.) e para os próprios usuários, que verão reduzidas suas faturas de eletricidade, de gás ou de outras fontes de energia. Estas políticas também amparam os setores com menos recursos, que gastam boa parte de suas magras rendas nos serviços energéticos.

  3. Melhorias em eficiência energética na indústriaEste tipo de medida tem grande impacto na economia nacional, em decorrência da economia em infra-estrutura e abastecimento de energia. Além do mais, o potencial de economia energética nos setores industriais da América Latina é suficientemente alto para que possa ser financiado pelas próprias empresas. Nesse sentido, a promoção das Empresas de Serviços Energéticos e políticas públicas que incentivem a eficiência energética podem gerar não só a redução das emissões de GEE, como também ajudar a reduzir os custos de produção, melhorando a competitividade das empresas. Esses exemplos pretendem ilustrar os benefícios que os países da América Latina poderiam obter ao iniciar, em curto prazo – e aproveitando as oportunidades que a problemática da mudança climática oferece em matéria de facilidades para a incorporação de tecnologia – uma vertente econômica de baixo conteúdo de carbono. Todas elas, além do mais, têm a virtude de reduzir os riscos resultantes da volatilidade dos preços internacionais do petróleo e, particularmente, da perspectiva de uma futura de escassez do produto. Da mesma maneira que se pode tomar partido das estratégias de mitigação com grandes benefícios nacionais secundários, os países não deveriam se distrair com aquelas soluções que trazem benefícios apenas com respeito ao aquecimento global e pouco ou nenhum em plano nacional. Exemplo desta última estratégia são os projetos de redução de HFCs e CFCs, que na atualidade ocupam boa parte dos certificados de redução de emissões na pasta do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo latino-americano.


Restrições comerciais a produtos com alto conteúdo de carbono


Até 2030, os países, necessariamente, terão que pagar para emitir gases de efeito estufa na atmosfera, seja por meio de um sistema de limites e certificados negociáveis, de impostos sobre o carbono ou de outras formas que se adotem. As negociações internacionais sobre mudança climática e as perspectivas de aumento das emissões nos próximos anos fazem prever, com alto grau de certeza, que em um futuro próximo haverá limites para as emissões de GEE para todos – ou quase todos – os países. E não há dúvida que a maioria das nações latino-americanas estará entre eles. Para além da discussão sobre quem tem maiores responsabilidades e como se financia a mudança tecnológica – que vem se arrastando desde as origens da Convenção de Mudança Climática – os limites vão existir. Como conseqüência disto, aqueles países que começarem mais tarde com suas políticas de “descarbonização” da economia terão maiores custos e menos oportunidades para realizar a transição. Além disso, o mercado internacional começará a penalizar os produtos cujo ciclo de vida tenha produzido altos níveis de emissões.


O comércio de bens e serviços com alto conteúdo de carbono se verá restrito no futuro por medidas não-tarifárias de proteção ambiental. Isto já está acontecendo com alguns produtos, como ocorre com os biocombustíveis que não demonstram uma real redução de emissões ao longo do ciclo de vida. Portanto, da mesma maneira que hoje muitos de nossos produtos são submetidos a diversas formas de certificação no mercado internacional por razões distintas, é previsível que esta seja uma nova exigência a qual terão que se adequar. Nesse sentido, também, esperar que nas negociações da Convenção de Mudança Climática os países desenvolvidos assumam seus compromissos de transferência de recursos e tecnologia para a transição, trará muitos efeitos negativos para as economias latino-americanas. Outra previsão à qual os países da América Latina devem estar atentos diz respeito à seleção do investimento estrangeiro a ser consolidado nacionalmente.


Os governos latino-americanos são, em geral, propensos a aceitar todo tipo de aporte internacional direto com o entendimento de que isso gera benefícios econômicos evidentes para o país. Entretanto, a introdução de produção estrangeira com alto conteúdo de carbono pode resultar em um bumerangue no futuro, ao elevar os níveis nacionais de emissões de gases de efeito estufa. Isso será, inclusive, cada vez mais notório, à medida que as indústrias com altas emissões de carbono em seus processos produtivos se vejam motivadas a se deslocar dos países com limites ou penalização por emissões para aqueles países em desenvolvimento que não tenham estes tipos de restrições. Da mesma forma, as nações latino-americanas deverão ser seletivas na hora de aplicar subsídios ou ajudas para a melhora da eficiência energética. Há indústrias energo-intensivas de alto uso de capital e pouca mão de obra (como as de aço, papel e cimento) que apresentam grandes oportunidades de ganho em eficiência. Os benefícios de uma política pública de eficiência energética deveriam estar orientados aos setores industriais de menor potencial econômico e com maior capacidade de distribuição da riqueza por meio do emprego da mão de obra. Para as empresas maiores e intensivas no uso de energia, o retorno a partir da economia gerada pelas medidas de eficiência energética já é rentável por si só.

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